29 de outubro de 2022 às 07:23
O MISTÉRIO DA MORTE
Crônica de Elias Daniel de Oliveira, lida e interpretada por Evaldo Carvalho no Programa Show de Domingo do dia 30 de outubro de 2022

A celebração dos mortos nesta semana proporciona uma reflexão muito
importante sobre a vida que em algum momento chegará ao fim. Isto revela a
necessidade de valorizar cada instante como se ele fosse o último. O problema é
que as pessoas não pensam assim, talvez a cultura não permite refletir de outra
forma. A única certeza que o ser humano tem é que um dia ele vai fechar a
conta.
Trata-se de um mistério muito interessante. A morte
é analisada sob todos os ângulos, ideologias, religiões, filosofias e teorias,
mas, no fundo, ninguém sabe nada. Tudo é muito subjetivo e dedutivo, embora
todos afirmarem que suas teorias estão corretas. A vida começa na fecundação, a
plantinha que germina revela um ser que se mostrará grata a Deus por ficar um
tempo na terra, o período... ninguém sabe. Certa vez uma pessoa perguntou à
outra qual era a sua idade e a resposta foi: não sei. O indagador ficou
surpreso e quis saber o motivo pelo qual o amigo não queria dizer quantos anos
possuía, mas a resposta foi inesperada: Eu sei quantos anos vivi, só não sei
quantos ainda terei. Parece estranho, mas é esta a realidade, a nossa idade é a
que falta até que nossa morte chegue. Não se trata de destino ou
previsibilidade, mas poderíamos nos importar mais com esta causa, o que eu vivi
ficou gravado no Livro da Vida, tendo sido bom ou não, mas o que importa agora
é que tenho pela frente, isto fará a diferença. Se o passado foi péssimo, dá
agora tempo de consertar. Caso tenha sido bom, convém usufruir e aprimorar.
Quando fomos criados, não puseram na nossa nuca um terceiro olho para que
pudéssemos olhar apenas para frente, então por que grudar no passado? Bom, o
tema aqui é sobre morte, mortos, finados e por ai vai. Então por que falar de
aniversário, celebração, vida e projetos? Exatamente por não sabermos quando
será o fim.
Já citamos em outros momentos, mas o tema de hoje
não poderia ficar sem aquele belíssimo texto de Allen Silva com o título: POSSO
MORRER AMANHÃ, assim o escritor filosofa: "Você já parou pra pensar que amanhã
você pode ser apenas uma plaquinha com o dia que você nasceu e o dia que deixou
este mundo? Nesta plaquinha não estará escrito quem eram seus ídolos políticos,
sua religião, seu time do coração, nem suas bondades ou maldades. Sua bondade
ou maldade serão medidas pelo número de pessoas que riram ou choraram ao ver
esta placa. Você será lembrado por poucos e em poucos anos será apenas um
retrato. Neste retrato você será apontado como um parente distante do tipo:
Esse na foto é meu avô, mas eu não o conheci. Um dia, você só vai existir na
memória de algumas pessoas. E se o dia de a gente virar plaquinha for amanhã?
Você está preparado? Pense, se você morrer agora, quais são as últimas
lembranças que as pessoas vão ter de você. Alguns vão dizer: Já foi tarde.
Outros: Nossa, tão novo. Fato é que em poucos meses os viúvos se apaixonarão
por outro alguém, seus filhos terão suas vidas, seu carro terá um novo dono,
suas roupas serão doadas, seu emprego vai ser ocupado por outra pessoa e tudo
que você tanto batalhou para adquirir, vai ser objeto de disputa ente os
herdeiros. Uma única pessoa passará o resto de sua vida lembrando de você todos
os dias: sua mãe, talvez seu pai. Agora me responda: Você tem se preparado para
ter valido a pena? Você tem marcado a vida das pessoas? Ou está perdendo seu
tempo em discussões homéricas sobre política, religião e futebol? Um dia as
pessoas vão obrar para o seu retrato já amarelado e sem qualidade e vão pensar
se vale a pena mandar restaurar para que você continue vivo na memória ou se
jogam de uma vez no lixo dando lugar a uma televisão nova ou um enfeite de
1,99. A vida é hoje, a hora é agora. Não perca tempo e amizade por discussões
bobas, viva! Tá com saudade? Liga. Se ama, mostre. Amanhã poderá ser tarde
demais. Cada momento carrega a possibilidade de ser a última vez que nos
vejamos. Entenda um dia você será apenas uma plaquinha, se tiver sorte, vai
virar nome de rua, mas mesmo assim ainda será só uma plaquinha".
Uma visita ao cemitério faz com que as pessoas
passem por inúmeras reflexões. O ambiente pode receber muitas interpretações,
vai do gosto de cada um. Para início de conversa, dentro de cada túmulo ou
gaveta não tem nada mais do que os restos mortais do falecido. Para os todos os
efeitos, restaram apenas as lembranças. Talvez seja por isso que há todo um
cerimonial e cuidados com aquele ambiente onde o ente querido foi depositado.
Mas, onde estaria realmente a pessoa que veio a óbito? Neste ponto os
espiritualistas, também psicólogos e psicanalistas trabalham com hipóteses
bastante curiosas ao usar a alma e o espírito como o único motivador da vida.
Freud muito falava do Consciente e o Inconsciente, afirmando, inclusive, que o
nosso eu interior possui mecanismos incompreendidos pelos humanos. Seriam estes
mecanismos o segredo do mistério? Se o espírito é muito mais potente que o
corpo, com a morte ele se tornaria apenas uma fumacinha e desapareceria?
Embasado nesta ideia, os religiosos abraçam a teoria do céu, inferno e
purgatório, lugares que acolherão as almas. A questão é que a Igreja diz que
trata-se de um dogma de fé e assim, voltamos então à estaca zero. Já que não
temos certeza de como funciona o pós-morte, o que nos resta a fazer é viver com
dignidade aqui na terra. Sendo bons, éticos e tementes a Deus conseguiremos
prestigio enquanto vivos e segurança para a alma depois de falecido.
Este tema é muito amplo e em uma única crônica não
conseguiríamos abordar tudo. Na verdade, a morte é um mistério e não justifica
se preocupado com ela, o melhor a fazer seria aproveitar bastante a vida para
que, no dia do nosso final, possamos ficar tranquilos com a consciência limpa
do dever cumprido. E para fechar com chave de ouro, vou adotar uma frase da
música CANTO PARA A MINHA MORTE de Raul Seixas: "Morte que talvez seja o
segredo desta vida".
Fonte: CLIENT