29 de novembro de 2021 às 14:14
INVISIBILIDADE SOCIAL
Crônica de Elias Daniel lida e interpretada por Evaldo Carvalho no dia 28 de novembro de 2021 no Programa Show de Domingo.
A questão da invisibilidade e
registro civil foi alvo de atenção na primeira fase do ENEM 2021 no momento em
que entrou como tema de redação. De inicios os candidatos ficaram um pouco assustados,
mas tão logo conseguiram unir uma palavra à outra, perceberam que o assunto é
pertinente e como este nosso quadro não perde oportunidade, vamos abordá-lo
também, partindo, inclusive, para outros focos.
Embora parecesse um tema
irrelevante, foi elogiado pelos professores, uma vez que o Brasil tem hoje três
milhões de pessoas sem algum tipo de documento não sendo reconhecido
oficialmente, ficando assim invisível como cidadão não podendo usufruir de
todos os direitos básicos assegurados pela constituição. Esta descoberta veio à
tona quando, na implantação do auxílio emergencial, em função da pandemia do
novo Corona Vírus, muitos reivindicaram o repasse, mas não tendo como comprovar
a sua existência documental, não pôde ser contemplado. Uma pessoa que não
possui o registro civil não tem acesso ao serviço do SUS, não pode possuir
Carteira de Trabalho, de matriz, abrir conta em banco, fazer um simples
cadastro numa loja, se matricular numa escola e muito menos votar. Nas
problematizações necessárias a uma boa redação, os candidatos precisaram pensar
em meios de amenizar esta situação.
Mas quais são os motivos que
levam pessoas a não se registrarem? O Brasil é um país muito extenso, existem
regiões em que as pessoas moram em lugares bem inacessíveis, as cidades mais
perto são bem longes de forma que a ida até ela precisa de uma boa programação,
isto sem contar os casos daqueles que, por questões financeiras raramente
conseguem se deslocar. Nestes locais as crianças nascem e ficam esperando um
momento apropriado para serem registrados, mas, diante das dificuldades, o
tempo vai passando e quando têm oportunidade, acabam se negligenciando. Para se
ter uma ideia, no ato do nascimento, os pais têm até 30 dias para registrar a
criança, passando esta data, há uma burocracia enorme conhecida como registro
tardio. Antigamente esta realidade era ainda mais notória, hoje até que muito
esforço tem sido feito para aliviar esta questão, ainda assim o governo tem
encontrado dificuldade de ter totalidade. Com isto fica complicado auxiliar ou
tomar conhecimento de cidadania de quem vive nesta invisibilidade civil.
Estar invisível, mesmo
existindo é algo estranho e dá a entender que estas pessoas estão às margens da
sociedade e não são dignas de atenção. Tudo bem que o propósito da discussão
está no fato da necessidade de tornar cidadãos registrados para que possam ser
reconhecidos legalmente para não ter que depender da benevolência humana. Ainda
assim diríamos que existem muitas pessoas que possuem nomes, documentos,
registros e reconhecimento legal, no entanto são também invisíveis. Todos são
seres humanos que possuem história, mas, no entanto, foram atropelados por
alguma situação social. Poderíamos citar alguns idosos que construíram uma vida
para si e sua família e agora estão confinados num asilo sem receber visitas de
seus parentes que dizem estar muito ocupados ou por não ver sentido este tipo
de preocupação. Outro exemplo, os mendigos, andarilhos e moradores de rua que
já foram considerados lixos humanos repudiados pelos visíveis cidadãos. Não
poderíamos deixar de citar aqueles que mesmo tendo uma notoriedade social, caiu
no mundo das drogas e viram a sua vida virar de cabeça pra baixo e hoje eles se
encontram em ambientes como a Cracolância, Big Brother, etc. não servindo para
mais nada. Há quem diga que esta modalidade de ser humano escolheu o seu
caminho, tudo bem que pode se tratar de uma realidade, mas com certeza são
pessoas e possuem vontade de viver como qualquer um. A sua invisibilidade está
nos olhos de quem os vê. Uma antiga reportagem acerca do mundo na Cracolância,
mostrou pessoas que tinham famílias, profissões, estudos, graduações e
reconhecimentos no passado. Hoje, diante dos seus vícios, a vida seguiu outro
rumo, como o caso de uma mulher que chamou a atenção do repórter, ela, toda
magra e com aparência sofrida tinha diploma de medicina e já tinha exercido a
profissão, mas agora estava invisível para a classe como também para a
sociedade.
Ainda dentro do tema, gostaria
de lembrar que esta questão da visibilidade depende também de quem vê. O
Pequeno Príncipe já dizia: "O essencial é
invisível aos olhos, só se vê bem com o coração". Tem gente que só enxerga
aquilo que lhe apraz. Este tipo de pessoa tem é outro problema, acreditam que o seu mundo é que importa
enquanto os outros, mesmo não sendo invisíveis, não precisam ser vistos. Para
aprimorar estas palavras, faria a comparação com os políticos, que em período
eleitoral conseguem enxergar todo mundo, mas, quando são eleitos, os seus olhos
se fecham e o número de pessoas invisíveis aumenta assustadoramente.
A timidez também contribui para
que a pessoa passe a gostar da invisibilidade tal como a pessoa depressiva.
Muitos também se acham invisíveis quando não são notados ou mesmo se achando
inúteis. E o remédio para tudo isto é tentar mostrar para si mesmo a usa
importância e deixar-se notar.
Pois bem, chegamos a mais um final, hoje
trazendo um tema de redação do ENEM e colocando a nossa versão ampliando ainda
mais o teor do que foi pedido. Tirando o lado notoriedade, a invisibilidade
poderá até ter lá a sua utilidade, veja o que disse a escritora Maristerteka: "A vida me ensinou que quanto mais invisível
se pode ser; mais vitórias podem ser alcançadas". Enfim, "A verdadeira felicidade é invisível aos
olhos", como já dizia Andrea Tayoo.
Fonte: CLIENT