03 de julho de 2022 às 07:54
CICATRIZES
Crônica de Elias Daniel de Oliveira lida e interpretada no programa Show de Domingo por Evaldo Carvalho no dia 03 de julho de 2022

Qual o papel das cicatrizes?
Inicialmente poderíamos dizer que elas servem para marcar. Pode até ser que
elas desaparecem, mas nunca na sua totalidade. O sofrimento não pode ser visto
como algo destrutivo, mas de crescimento e superação. As cicatrizes aparecem
como carimbos de mudança entre o que se foi e a necessidade de viver o presente
de olho no futuro.
Os dicionários dizem que a
CICATRIZ é a marca deixada por algum ferimento, também: Vestígio de estrago,
dano ou destruição. No sentido figurado: Lembrança dolorosa. O autor Hannibal
Lecter já dizia: "Nossas cicatrizes
servem para nos lembrar que o passado foi real". Normalmente ninguém se
machuca porque quer, alguma ação externa provocou a situação. É claro que o
corpo possui inúmeras células de defesa, o que não impede os movimentos
abruptos. O povo do passado ainda podia contar com os antigos mertiolates e
mercúrio cromo que aliviava bem os danos na pele e dependendo da não gravidade,
tudo ficava por isto mesmo, o bom mesmo seria relevar, porque se voltasse para
casa, a mãe não deixaria sair de novo. Assim, as marcas se tornavam algo
normal, às vezes até mesmo como um troféu por ter resistido às dores. Por falar
em passado, as crianças tinham uma vida mais ativa com menos importância ao
sedentarismo causado pela modernidade, em contrapartida quebravam mais os
braços, pernas e possuíam cicatrizes por todo o corpo. Pensam que pra eles era
o fim do mundo? Nunca. As marcas pelo corpo revelavam uma geração sem muito "mimimi" e aptas a enfrentar um mundo
mais hostil. As cicatrizes da modernidade parecem apresentar uma sociedade mais
sofrida que têm dificuldade de enfrentar os momentos difíceis. A procura exagerada
pela proteção para evitar as marcas, impede o avanço, o crescimento e os
riscos. Dizer que as cicatrizes foram extintas, seria um erro, na verdade elas
agora se tornaram internas, marcando mais o coração do que a pele. Nesta lista
encontramos a depressão que já existia, mas não era tão popular. Trata-se de
uma doença que não deixa cicatriz externa, tão somente na alma.
Um fator precisa ser levado em
consideração: as cicatrizes não foram criadas para serem amadas, idolatradas ou
vangloriadas. Elas são sinais reais de vida que soube enfrentar o sofrimento e
conseguiu vencer. Isto serve para as externas e para as internas. Tem gente que
fica se lamuriando e remoendo o passado em função de algo que lhe tenha
machucado. Para que isto? Seria como fazer carinho na cicatriz todos os dias e
torná-la mais importante do que o problema resolvido. A dor vencida não pode
imperar e roubar a cena, seria sofrer duas vezes. A nossa pele e porque não
dizer a nossa mente, tem uma capacidade incrível de renovação para não permitir
que as marcas sejam mais importantes que o resto do corpo. O problema é que tem
gente teimosa que se recusa a olhar pra frente. Lembram aquele trecho da música
de Elza Soares, interpretada por Jorge Aragão? "Levanta, bate a poeira e dá a volta por cima!". Quem vive de
passado é museu. As dores físicas e da alma são curáveis, claro que ao seu
tempo e não convém impedir o corpo e a mente de fazerem o seu trabalho. Um
autor desconhecido muito contribui com nossa reflexão: "Não tenho vergonha das minhas cicatrizes, elas provam que fui mais
forte do que aquilo que tentou me destruir".
O ser humano nasceu frágil e
apto a se machucar. Saber superar e continuar vivendo é o mínimo que se exige
dele. Alguns animais que acidentaram e perdem uma das pernas ou mesmo o rabo,
uma orelha, vence o momento de agonia com muita categoria. Alguns são tão
normais como os outros correndo apenas com três patinhas. Mas para o homem é o
fim do mundo. Infelizmente os problemas fazem parte da realidade humana e todos
os enfrentarão cedo ou mais tarde. Um soldado que vai pra guerra e volta sem
nenhuma cicatriz, provavelmente não lutou ou escorou-se nos outros e isto é
injusto. Vivemos conflitos todos os dias e saber enfrentá-los é mais que uma
obrigação. O próprio Jesus, filho de Deus, o maior de todos os profetas, sofreu
barbaridade, quiçá nós! A escritora Helena Paiva já dizia: "As cicatrizes nos lembram de momentos de
muita dor e dificuldades em que o sofrimento parece não ter fim. Porém, elas
também podem significar superação, força e determinação. Cabe a cada um de nós
escolher entre deixar se abalar ou erguer a cabeça e seguir em frente".
A cantora Bruna Karla tem uma
linda canção que toca neste assunto. Segundo ela as cicatrizes estavam cada vez
mais vivas do que nunca e isto a fazia sofrer porque a dor não passava e até a
fé diminuía. Então resolveu apelar para Jesus e sentiu a transformação. Sentiu
então que o remédio divino retirou todo o seu sofrimento e agora a marca da dor
não fazia mais parte da sua vida, tão somente uma cicatriz que servia apenas
para fazê-la agradecer e adorar a Deus.
Enfim, não podemos deixar que os nossos males
sejam maiores que a nossa vontade de vencê-los! Uma vez tendo intimidade com
Deus saberemos superar os nossos sofrimentos, mas é necessário fazer a nossa
parte e parar de reclamar. A acomodação e a dependência com o que de ruim
aconteceu não permitirão que as cicatrizes sequem. E sem querer ser
contraditório, parafraseemos JL.Amaral: "Orgulhe-se
de suas cicatrizes. Elas são provas do quanto você é forte!".
Fonte: CLIENT